O Tribunal de Contas de Roraima (TCERR) realizou, entre maio de 2023 e fevereiro de 2025, uma Auditoria Operacional (AOP) em 6 abrigos de Boa Vista (Rondon I, Rondon V, Waraotuma, Tuaranoko, Pricumã e Jardim Floresta) para avaliar as condições de acolhimento de crianças migrantes de 0 a 6 anos.
A AOP analisou o acesso aos serviços de
saúde e educação prestados pelo estado de Roraima e município de Boa Vista, a governança
colaborativa entre os entes envolvidos, o compartilhamento de responsabilidades
e a conformidade das condições de acolhimento com os padrões de segurança e
garantias asseguradas pela Constituição Federal e tratados internacionais.
Embora a gestão dos
abrigos da Operação Acolhida seja de responsabilidade federal, o TCERR atua no
monitoramento da infância em todo o estado, como parte do cumprimento das ações
previstas no Pacto Nacional pela Primeira Infância. Ações dessa natureza tem função
orientativa e indutora, oferecendo recomendações para o aperfeiçoamento de políticas
públicas e da própria gestão pública. O relatório de auditoria foi apresentado
pela conselheira Cilene Salomão, coordenadora do Grupo de Trabalho da Primeira
Infância no TCERR, e aprovado durante sessão do Pleno, nesta terça-feira (22).
Principais desafios
A auditoria apontou
falhas na coordenação e no planejamento intergovernamental e intersetorial, que
resultam em dificuldades no acesso a serviços essenciais (saúde e educação) e
no descumprimento de metas educacionais. A situação é agravada pela ausência de
um mecanismo claro para o compartilhamento de responsabilidades e recursos.
Os principais desafios incluem:
Falta de Governança
Colaborativa: dificuldade na colaboração entre os diferentes níveis de governo
para oferecer assistência emergencial eficaz. Ações Intersetoriais
Insuficientes: ausência de integração e planejamento conjunto entre setores
cruciais como saúde, educação e assistência social. Saturação das Redes Locais:
sobrecarga das redes locais (principalmente estadual e municipal) devido à
falta de discussão e adequação das comissões de saúde e educação em relação ao
fluxo migratório.
Acesso Insuficiente à
Saúde Infantil: estratégias da Secretaria Municipal de Saúde insuficientes para
garantir o acesso pleno de crianças migrantes de 0 a 6 anos à rede municipal de
saúde. Descumprimento da Meta de Educação Infantil: município de Boa Vista não
atende à meta do Plano Nacional de Educação de universalizar a pré-escola para
crianças de 4 e 5 anos e ampliar a oferta de creches para crianças de até 3
anos. Falta de Alocação de Recursos Compartilhada: ausência de alocação
adequada de recursos nos instrumentos de planejamento para incentivar o
compartilhamento de responsabilidades entre o estado de Roraima e outros entes
federativos.
Além disso, o relatório apontou barreiras linguísticas e limitações no sistema de matrícula
online. Muitos pais ou responsáveis enfrentam dificuldades de comunicação em português, o que prejudica a matrícula e a interação com a escola. O sistema de matrícula online, que exige dispositivos móveis e internet, representa um obstáculo adicional para a população migrante, que frequentemente não dispõe desses recursos.
Embora tenha ocorrido
um crescimento expressivo nas matrículas da educação infantil (310,3% nas
creches e 134,3% na pré-escola nos últimos anos), a expansão da oferta ainda é
necessária para atender todas as crianças, especialmente diante do fluxo contínuo
de migração.
Recomendações
Durante a sessão do
Pleno em seu voto, a Conselheira Cilene Salomão analisou criticamente os
problemas apontados e reconheceu os esforços dos entes em responder aos
desafios do fluxo migratório. Ela apontou a necessidade de aprimorar a
cooperação intergovernamental, o planejamento, a alocação de recursos e a
inclusão das crianças migrantes. Para tanto, a conselheira consolidou um
conjunto de recomendações para fortalecer a rede de proteção à infância
migrante, aprovado por unanimidade pelos conselheiros.
As recomendações
incluem o ajuste na coleta de informações e na estruturação dos orçamentos
estaduais para evidenciar os investimentos destinados à Primeira Infância, a criação
de mecanismos de articulação e cooperação entre estado e municípios, o fomento à
intersetorialidade nas ações e o envolvimento de comissões de gestão
compartilhada nas discussões sobre o financiamento da saúde frente ao fluxo
migratório.
Prazos e responsabilidades
O TCERR estabeleceu
prazos para que os gestores públicos implementem as propostas. A Secretaria de
Planejamento e Desenvolvimento (Seplan) deverá apresentar um Plano de Ação com
cronograma das medidas em 90 dias. A Secretaria de Estado do Trabalho e Bem-Estar
Social (Setrabes) terá 30 dias para elaborar o Plano Estadual da Primeira Infância
e encaminhá-lo ao Tribunal em até cinco dias após a publicação. A Secretaria Municipal
de Educação e Cultura (SMEC) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) também
deverão apresentar seus planos de ação para as áreas de educação e saúde em 90
dias.
Oportunidades de melhoria
Na decisão a relatora apresentou medidas ao Comitê Federal de Assistência Emergencial, que podem ser adotadas se entender cabível, como forma de contribuir com na construção de uma política intergovernamental colaborativa.
As sugestões incluem a
participação do estado e do município nas decisões do Comitê Federal de
Assistência Emergencial e o asseguramento de assento e voz aos entes e a instituição
de mecanismos de articulação e cooperação para definir as responsabilidades de
cada ente na assistência emergencial.
Outras medidas
sugeridas a serem adotadas pela coordenação do Comitê Federal, são evitar a
acomodação de mais de uma família em uma mesma carpa (tenda), buscar alternativa
para o material do qual são confeccionadas as carpas, já que geram desconforto
térmico e exposição às intempéries, e soluções para a ausência de um local reservado
para acolhimento e cuidado das crianças, no interior dos abrigos, enquanto suas
mães trabalham.
Fonte: TCE/RR